Artigo: Compliance aplicado ao terceiro setor - Por Mônica Saraiva
10/12/2024 Artigo de autoria Mônica Saraiva Cunha, Oficiala do Ofício do Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas de Formiga (MG)
Compliance é um instituto largamente utilizado no mundo corporativo, que possui por objetivo implantar comportamentos éticos e transparentes dentro de uma organização, como forma de se combater a corrupção e quaisquer outras formas de irregularidades. Embora ainda em menor escala, a discussão do Compliance vem também ganhando espaço junto às entidades sem fins lucrativos, também conhecidas como “Terceiro Setor”.
Nesse sentido, a Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-DF trouxe orientações para essas entidades: “Em relação ao Terceiro Setor, o Compliance também é uma questão muito séria e que deve ser cumprida com rigor, uma vez que muitas entidades costumam ser mantidas por doações, emendas parlamentares e convênios com o poder público...”1
E por Terceiro Setor, entende-se os agentes que atuam entre o Estado e o Mercado e que, embora possuam natureza jurídica privada sem finalidade lucrativa, se prestam à consecução de um interesse público.
Dentro do conceito de Terceiro Setor estão compreendidas as associações e fundações, podendo até mesmo abranger organizações religiosas e cooperativas2, dentro do amplo conceito de Organizações da Sociedade Civil, introduzido pela Lei n.º 13.019, que tornou essas duas últimas naturezas de pessoas jurídicas aptas para celebração de parceria com o Poder Público.
Atento a esses conceitos, o registrador ao analisar atos de entidades pertencentes ao Terceiro Setor, deve fazer análise acurada da documentação, especialmente naquilo que se refira às questões administrativas e financeiras, no sentido de que os mecanismos que visem garantir a integridade no modo de gestão, estejam preservados.
Questões fáticas como cumulação de cargos diretivos, que dada sua natureza atuam como “sistema de freios e contrapesos”, tal como cumulação de cargo do Conselho Fiscal, com cargo de Diretoria ou até mesmo cumulação de cargo de Presidente com cargo de Tesoureiro, em mecanismos nos quais se exija dupla assinatura para movimentação bancária, o registrador deve obstar o ingresso, com fundamentos no Compliance3.
Embora não existam dispositivos legais que expressamente obstem a cumulação de determinados cargos, por questões de transparência e integridade, o registrador pode e deve obstar o registro quando entender que regras do compliance estão sendo quebradas.
Pode-se observar a política do Compliance, aplicada ao Terceiro Setor, em dispositivo do Provimento n.º 161 do CNJ, que atualizou as disposições referentes às comunicações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e curiosamente, a hipótese de comunicação encontra-se prevista aos registradores de imóveis, demandando, contudo, conhecimentos sobre o registro civil das pessoas jurídicas:
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1 Programa de integridade em organizações do Terceiro Setor: Manual de compliance, disponível em: Compliance Terceiro Setor.pdf
2 Em que pese a amplitude do conceito de Organizações da Sociedade Civil, que abarca cooperativas e organizações religiosas, há quem interprete em sentido estrito, ao considerar Terceiro Setor tão somente associações e fundações.
3 Programa de integridade em organizações do Terceiro Setor: Manual de Compliance: “...No entanto, para que haja imparcialidade nas decisões e autonomia do Conselho Fiscal, é importante que essas pessoas não façam parte de outros órgãos da ONG, como da própria Diretoria, por exemplo.”
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“Art. 162. O oficial de registro de imóveis, ou seu oficial de cumprimento, deve analisar com especial atenção, para fins de eventual comunicação à UIF na forma do art. 151, I, operações, propostas de operação ou situações relacionadas a:
...
IV – registro de aquisição de imóveis por fundações e associações, quando as características do negócio não se coadunem com suas finalidades;”
Ao proceder ao registro de aquisições imobiliárias por fundações e associações, o registrador de imóveis deve ter em consideração as finalidades institucionais da entidade, se compatíveis com a aquisição, razão pela qual a análise do ato constitutivo da pessoa jurídica torna-se imprescindível.
Toma-se por exemplo, uma associação de moradores de bairro, cuja finalidade consista na defesa de direitos dos moradores residentes naquela localidade, passe a adquirir diversos imóveis. Qual seria o propósito para essas diversas aquisições? De onde seriam provenientes os recursos que proporcionaram essas aquisições?
A aquisição de um imóvel para instalação da sede da entidade, para construção de uma quadra ou qualquer outra benfeitoria em prol da comunidade, afigura-se compatível. Mas o que justificaria múltiplas aquisições imobiliárias por uma entidade sem fins lucrativos, cujo objetivo é a defesa de interesse de moradores de bairro?
Outra questão a ser observada, diz respeito às aquisições imobiliárias para fins de exploração econômica por associações e fundações. O desempenho de atividade econômica não é de todo vedado às entidades sem fins lucrativos, o que não deve haver é a distribuição de resultados.
Obrigatoriamente, a atividade rentável deve estar relacionada entre as fontes de recurso para manutenção da entidade, pois todo o resultado obtido deve ser revertido em prol do cumprimento dos propósitos sociais. Caso contrário, haverá desvio de finalidade, sendo passível de comunicação ao COAF4.
Elementos de Compliance também se fazem presentes na Lei nº. 9.790, de 23 de março de 1999, que dispôs sobre a qualificação de pessoas jurídicas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, e estabeleceu como requisito a previsão do órgão do Conselho Fiscal no ato constitutivo das entidades sem fins lucrativos.
Embora o Código Civil não tenha conferido obrigatoriedade à presença de Conselho Fiscal para as associações, mas sim previsão estatutária quanto à forma de aprovação de contas5, a entidade que desejar qualificar-se como OSCIP deve atender ao requisito da constituição do órgão do Conselho Fiscal.
A exigência da presença de um Conselho Fiscal preza pela otimização da gestão financeira da entidade, considerando a função precípua desse órgão como fiscalizador e agente imparcial, imprimindo transparência e conformidade na atuação associativa.
Diversas foram as situações aqui explanadas, que demandam conhecimento, por parte dos registradores, do necessário respeito às políticas do Compliance, aplicadas ao Terceiro Setor.
Logo, atos que quebrem ou comprometam a conformidade de atuação das entidades sem fins lucrativos, não devem ser recepcionados para registro ou averbação.
Nesse sentido, a Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-DF trouxe orientações para essas entidades: “Em relação ao Terceiro Setor, o Compliance também é uma questão muito séria e que deve ser cumprida com rigor, uma vez que muitas entidades costumam ser mantidas por doações, emendas parlamentares e convênios com o poder público...”1
E por Terceiro Setor, entende-se os agentes que atuam entre o Estado e o Mercado e que, embora possuam natureza jurídica privada sem finalidade lucrativa, se prestam à consecução de um interesse público.
Dentro do conceito de Terceiro Setor estão compreendidas as associações e fundações, podendo até mesmo abranger organizações religiosas e cooperativas2, dentro do amplo conceito de Organizações da Sociedade Civil, introduzido pela Lei n.º 13.019, que tornou essas duas últimas naturezas de pessoas jurídicas aptas para celebração de parceria com o Poder Público.
Atento a esses conceitos, o registrador ao analisar atos de entidades pertencentes ao Terceiro Setor, deve fazer análise acurada da documentação, especialmente naquilo que se refira às questões administrativas e financeiras, no sentido de que os mecanismos que visem garantir a integridade no modo de gestão, estejam preservados.
Questões fáticas como cumulação de cargos diretivos, que dada sua natureza atuam como “sistema de freios e contrapesos”, tal como cumulação de cargo do Conselho Fiscal, com cargo de Diretoria ou até mesmo cumulação de cargo de Presidente com cargo de Tesoureiro, em mecanismos nos quais se exija dupla assinatura para movimentação bancária, o registrador deve obstar o ingresso, com fundamentos no Compliance3.
Embora não existam dispositivos legais que expressamente obstem a cumulação de determinados cargos, por questões de transparência e integridade, o registrador pode e deve obstar o registro quando entender que regras do compliance estão sendo quebradas.
Pode-se observar a política do Compliance, aplicada ao Terceiro Setor, em dispositivo do Provimento n.º 161 do CNJ, que atualizou as disposições referentes às comunicações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e curiosamente, a hipótese de comunicação encontra-se prevista aos registradores de imóveis, demandando, contudo, conhecimentos sobre o registro civil das pessoas jurídicas:
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1 Programa de integridade em organizações do Terceiro Setor: Manual de compliance, disponível em: Compliance Terceiro Setor.pdf
2 Em que pese a amplitude do conceito de Organizações da Sociedade Civil, que abarca cooperativas e organizações religiosas, há quem interprete em sentido estrito, ao considerar Terceiro Setor tão somente associações e fundações.
3 Programa de integridade em organizações do Terceiro Setor: Manual de Compliance: “...No entanto, para que haja imparcialidade nas decisões e autonomia do Conselho Fiscal, é importante que essas pessoas não façam parte de outros órgãos da ONG, como da própria Diretoria, por exemplo.”
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“Art. 162. O oficial de registro de imóveis, ou seu oficial de cumprimento, deve analisar com especial atenção, para fins de eventual comunicação à UIF na forma do art. 151, I, operações, propostas de operação ou situações relacionadas a:
...
IV – registro de aquisição de imóveis por fundações e associações, quando as características do negócio não se coadunem com suas finalidades;”
Ao proceder ao registro de aquisições imobiliárias por fundações e associações, o registrador de imóveis deve ter em consideração as finalidades institucionais da entidade, se compatíveis com a aquisição, razão pela qual a análise do ato constitutivo da pessoa jurídica torna-se imprescindível.
Toma-se por exemplo, uma associação de moradores de bairro, cuja finalidade consista na defesa de direitos dos moradores residentes naquela localidade, passe a adquirir diversos imóveis. Qual seria o propósito para essas diversas aquisições? De onde seriam provenientes os recursos que proporcionaram essas aquisições?
A aquisição de um imóvel para instalação da sede da entidade, para construção de uma quadra ou qualquer outra benfeitoria em prol da comunidade, afigura-se compatível. Mas o que justificaria múltiplas aquisições imobiliárias por uma entidade sem fins lucrativos, cujo objetivo é a defesa de interesse de moradores de bairro?
Outra questão a ser observada, diz respeito às aquisições imobiliárias para fins de exploração econômica por associações e fundações. O desempenho de atividade econômica não é de todo vedado às entidades sem fins lucrativos, o que não deve haver é a distribuição de resultados.
Obrigatoriamente, a atividade rentável deve estar relacionada entre as fontes de recurso para manutenção da entidade, pois todo o resultado obtido deve ser revertido em prol do cumprimento dos propósitos sociais. Caso contrário, haverá desvio de finalidade, sendo passível de comunicação ao COAF4.
Elementos de Compliance também se fazem presentes na Lei nº. 9.790, de 23 de março de 1999, que dispôs sobre a qualificação de pessoas jurídicas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, e estabeleceu como requisito a previsão do órgão do Conselho Fiscal no ato constitutivo das entidades sem fins lucrativos.
Embora o Código Civil não tenha conferido obrigatoriedade à presença de Conselho Fiscal para as associações, mas sim previsão estatutária quanto à forma de aprovação de contas5, a entidade que desejar qualificar-se como OSCIP deve atender ao requisito da constituição do órgão do Conselho Fiscal.
A exigência da presença de um Conselho Fiscal preza pela otimização da gestão financeira da entidade, considerando a função precípua desse órgão como fiscalizador e agente imparcial, imprimindo transparência e conformidade na atuação associativa.
Diversas foram as situações aqui explanadas, que demandam conhecimento, por parte dos registradores, do necessário respeito às políticas do Compliance, aplicadas ao Terceiro Setor.
Logo, atos que quebrem ou comprometam a conformidade de atuação das entidades sem fins lucrativos, não devem ser recepcionados para registro ou averbação.
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4Programa de integridade em organizações do Terceiro Setor: Manual de Compliance: “O desenvolvimento de atividade meio para obtenção de receita deve ser realizado ante um prévio estudo, para minimizar os riscos de enquadramento em desvio de finalidade”.
5 Art. 54, VII, Código Civil.
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Clique aqui e confira a integra do artigo de autória da Mônica Saraiva Cunha, Registradora de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas
Fonte: Autora Mônica Saraiva
Data: 11/12/2024